Corri atrás do caminhão de lixo, por Mário Lima Jr.
Há décadas que eu não fazia isso. Corri atrás do caminhão de lixo, desembestados, eu e ele. Quando era criança, corria a pé, gritando e pulando as calçadas desniveladas do Vila Três ou pisando nas pedras doloridas das ruas sem asfalto. Nesse sábado, deixei meu filho na igreja, no centro de Alcântara, e retornei de carro pegando aquele trânsito infernal em direção e através da Avenida MARICÁ. Depois da praça CHICO MENDES, dobrei à direita, antes da Casa da Moeda, e lá estava o caminhão, grande e fedorento.
Parei o carro atrás dele e esperei. Os lixeiros estavam a todo vapor, pulavam da traseira do caminhão e catavam as sacolas largadas nas calçadas de um lado e do outro mais rápidos do que um velocista olímpico. Quando o caminhão acelerava, eu acelerava também e colava na traseira dele. Um dos garis usava óculos escuros, como se estivesse desfilando na São Paulo Fashion Week. Era negro. Para ele nosso país reserva os empregos menos remunerados e mais sofridos.
O gari de óculos gritava “Uh-Hul!” antes de jogar cada sacola na caçamba do caminhão. Como se comemorasse a conquista de uma medalha. Veio um cidadão e falou algo no ouvido dele. O gari só balançou a cabeça dizendo que sim. O homem entrou em casa, saiu carregando uma sacola pesada e tacou dentro da caçamba. O gari fez o mesmo três vezes, com o caminhão parado e fechando o trânsito. Era entulho, pedra, areia e ferro, material que não pode ser descartado assim. É a única forma que o gonçalense tem de se vingar da Marquise Ambiental, empresa que há muitos anos, independentemente do governo municipal, recolhe milhões e milhões através de contatos de emergência, sem licitação. Depois o entulho vai parar no meio ambiente e todos se ferram ao mesmo tempo, o gonçalense, a Marquise e o mundo.
Eles precisam cobrir a cidade em pouco tempo. Por isso o caminhão de lixo acelerou, e eu corri atrás dele. Sorrindo, um senhor disse “Bom-dia” aos garis e jogou um copo de plástico na caçamba, com restos de café. O velho ria porque era uma manhã de sábado ensolarada de inverno. Ria porque é gonçalense. Porque o lixeiro ao lado dele, pegando cacos de vidro com as mãos nuas, também sorria. Impossível saber.
Atrás de mim, os motoristas buzinavam sem parar. Do lado esquerdo, havia uma fila de carros estacionados na rua. Do lado direito, a mesma coisa. No meio, primeiro o caminhão de lixo da Marquise e depois eu. Nada conseguia nos ultrapassar, nem bicicleta.
Passamos em frente a uma oficina e os funcionários foram correndo até a porta e começaram a gritar “Êêêê, Êêêê” para o caminhão, com as mãos estendidas para o alto. O mesmo grito que eu dava quando era criança, o mesmo grito dos garis recolhendo as sacolas. Não se entende a razão desse hábito, mas é contagiante. Quem não grita, tem vontade de gritar. O gonçalense é muito mais inocente que o carioca e mais feliz e sincero que o morador de Niterói.
As engrenagens do caminhão espremiam as pedras e o entulho se misturava aos restos de comida e plástico. De repente, ele estacionou para recolher o lixo do sacolão na esquina da Rua Gustavo Mayer com a Estrada Raul Veiga e eu passei direto. Uma parte do espírito de São Gonçalo ficou ali, atrás do caminhão, com o povo gritando sem motivo e os garis sorrindo enquanto jogavam o lixo na caçamba.
Mário Lima Jr. é escritor.