Para cada crime, uma tragédia por Mário Lima Jr.
Os Bombeiros do Rio de Janeiro continuam encontrando corpos nos escombros dos prédios ilegais que caíram na comunidade da Muzema, zona oeste da capital. O número de mortos chegou a 20. Antes de morrer, cada uma das vítimas foi extorquida por bandidos, bem como as famílias sobreviventes do condomínio Figueiras do Itanhangá. O valor da vida do cidadão fluminense pode ser encontrado no bolso dos milicianos ou na quantidade de fuzis que eles escondem em casa. Os crimes que atingem o Rio são muitos e as tragédias resultantes não param de se multiplicar.
Na segunda metade do século passado, a primeira propina por segurança foi cobrada e a primeira criança pobre e negra foi morta por bala perdida na sangrenta e ineficiente guerra contra o tráfico de drogas. Deve ter havido comoção. O fato é que tragédias semelhantes se tornaram rotina. Hoje a milícia destrói o meio ambiente para construir prédios e vender apartamentos, exercendo controle absoluto sobre mecanismos do sistema econômico. Balas atingem crianças dentro de casa e da escola. E a faixa que Wilson Witzel mandou fazer para receber o cargo de governador tem menor influência sobre a vida dos moradores do Estado do que o poder das armas das facções e milícias.
Manda no Rio quem tem armamento pesado escondido em condomínio de luxo, quem tem fuzil guardado em barracos na favela. Junto com o poder público, inerte, o povo assistiu o pedreiro Amarildo ser levado por policiais e nunca mais voltar. Viu Marielle Franco e Anderson Gomes sendo executados, e com eles a democracia e o que existe de mais nobre na representação política atual. Inclusive associações de moradores são tomadas à força e transformadas em bases de apoio para a ação criminosa.
Cada vez mais atingido, o morador do Rio de Janeiro sabe que não pode contar com ninguém. O próprio Estado é agressor. O Exército, que deveria defender, fuzilou Evaldo com 80 tiros, ao lado da família, em plena luz do dia. Luciano Macedo, o catador de lixo baleado ao tentar ajudar Evaldo, também morreu. Racista, a polícia militar mata adolescentes uniformizados, como Marcos Vinicius, de 14 anos, na Maré. Não há condições para que estudantes construam um futuro melhor. Frequentemente eles param de estudar no meio das aulas e se jogam no chão para não serem baleados.
A eleição de Wilson Witzel não foi nada além de uma tentativa desesperada de matar primeiro aquilo nos mata diariamente, atirando para qualquer lado. Não foi um ato racional, que tenha considerado a identidade do miliciano e do traficante, mas um espasmo que vai continuar matando inocentes no meio do caos.
Os ricos esperam que os últimos resquícios de ordem sejam reservados a eles, as estatísticas estão a seu favor. Por garantia, preferem não caminhar ao ar livre, usam transporte próprio ou por aplicativo até em pequenos deslocamentos.
O Rio é um grande ato de violência e corrupção, crimes que geram tragédias que se repetem com uma frequência assustadora. Com pelo menos trezentos currais eleitorais explorados pelo crime organizado, aqui o poder soberano do voto e sua romântica capacidade de mudança perdem rapidamente seu significado.
Mário Lima Jr. é escritor.