Mais uma injustiça, por Fábio Rodrigo
Foto de Luiz Morier: "Todos Negros". Rio de Janeiro, 1983.
Era um pobre trabalhador e também era um trabalhador pobre. Temos aqui um exemplo em que o adjetivo pobre, antes do substantivo, tem um sentido e, depois do substantivo, tem outro. Assim, pobre trabalhador não é o mesmo que trabalhador pobre. A mudança na posição do adjetivo provoca mudança de sentido na frase, mas não muda o motivo que levou para a prisão aquele morador da favela do Sapo Molhado.
Ele estava indo trabalhar quando foi abordado por policiais que procuravam pelo bandido que havia assaltado uma moradora do Leblon na noite anterior, enquanto ela entrava em seu condomínio. Câmeras de segurança do prédio flagraram o assalto e as imagens foram enviadas à polícia. Sem entender nada, o morador da favela foi algemado e levado para a delegacia. E de lá, o transferiram para um presídio na Zona Oeste do Rio de janeiro.
O preso tem 35 anos, é casado e tem dois filhos. Trabalha como ajudante de pedreiro e está cursando, à noite, o ensino médio em uma escola pública da região. Amigos e parentes se mobilizaram para provar a sua inocência. Afirmavam que o preso não era o mesmo que estava no vídeo do roubo. “Agora preto careca é tudo igual?”, disse indignado um de seus amigos. “Isso é um absurdo!!! Queremos justiça!!!”, disse a esposa do preso.
Foi solto, após 25 dias na prisão, sob a alegação de que o haviam confundido com o suposto assaltante. “Os dois são muito parecidos”, disse o delegado que investiga o caso. A manchete de jornal dizia: Homem recebe liberdade após prisão por engano. Enquanto a polícia ainda procurava pelo verdadeiro assaltante, o homem liberto dava entrevistas e lembrava tudo o que passou na cadeia: “Comi o pão que o diabo amassou.”, disse emocionado.
A polícia admitiu que errou ao pôr na cadeia um trabalhador. Além de pobre trabalhador ou trabalhador pobre, ele era negro. Agora não sei em que posição da frase eu coloco a palavra negro. Era um pobre negro trabalhador ou pobre trabalhador negro ou... sei lá. Só sei que, independente da mudança de significado ocasionada pelas diferentes posições que tais palavras ocupam na frase, nada altera os motivos que levaram a mais uma injustiça.
Fábio Rodrigo Gomes da Costa é professor e mestre em Estudos Linguísticos.