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Foto do escritorJornal Daki

Sonhos dos jovens da periferia, por Mário LIma Jr.



A opinião de quem mais sofre com as mazelas sociais do país não é encontrada com frequência nos grandes jornais brasileiros. Eu tinha uma curiosidade: saber o que o jovem, pobre e credor do Estado, espera do governo Bolsonaro. Por isso conversei com dois rapazes e a maturidade da resposta deles me surpreendeu. Rafael e Paulo não acreditam em muitos avanços.

Eles são moradores do bairro gonçalense do Jardim Catarina, citado pela comunicação oficial do Governo do Estado do Rio de Janeiro como o maior loteamento da América Latina. O bairro parece um labirinto sufocante, principalmente visto do alto, e quem controla a rotina local são os traficantes de drogas.

Rafael tem 14 anos, vai começar o Ensino Médio e mora em uma casa com mais cinco pessoas. A família divide uma renda de R$ 2 mil. Apesar da pouca idade, já trabalhou atendendo ao público em padarias e restaurantes. Daqui a dez anos, ele espera ser arquiteto formado. Não parece um sonho tão difícil de conquistar, mas nada é fácil para quem mora em um bairro onde barricadas de ferro e concreto, colocadas nas ruas por criminosos, interromperam o direito de ir e vir.

Paulo tem 16 anos, também estuda, e sua renda familiar é de R$ 1,5 mil. Na casa dele moram cinco pessoas, ao todo. O jovem compõe e canta rap e alguns fãs, inclusive de cidades vizinhas, acompanham seu canal nas redes sociais. Seu sonho é ser um rapper famoso, como o Emicida, e até que isso aconteça, Paulo faz serviços de mixagem, a maioria de graça.

A Constituição Federal estabelece, como direitos sociais, segurança, saúde, educação, lazer e outras condições para uma existência digna que não são amplamente cumpridas. O favelado conhece essa dívida melhor do que ninguém.

Estimulados pela retórica dura do Presidente da República contra criminosos, Paulo e Rafael acreditam que a crise na segurança pública pode ser superada nos próximos quatro anos. Essa é a única esperança dos jovens. Assaltantes e traficantes veem Jair Bolsonaro, que defende que as polícias militares matem mais bandidos, como inimigo direto. Eleitores de Bolsonaro, moradores de regiões dominadas por bandidos, chegaram a sofrer represálias.

Os jovens não acham que Bolsonaro pode contribuir para a redução da pobreza ou valorização da cultura, de maneira integrada com os governos estadual e municipal. A opinião deles faz sentido. Metade da praça de São Gonçalo onde conversamos estava destruída e ocupada por viciados em drogas que vivem nas ruas. As paredes das escolas públicas da cidade estão pichadas por facções criminosas e não por Karl Marx, como pensa o presidente e direciona seus esforços.

Conversar com dois rapazes não substitui uma pesquisa pública formal. É fundamental, entretanto, não subestimar a opinião política do jovem brasileiro. Concentrado na liberação da posse de armas, na concessão de terras a ruralistas e no combate às principais pautas progressistas do mundo, o governo Bolsonaro já mostrou o quanto despreza a juventude pobre e esquecida.


Mário Lima Jr. é escritor.

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