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Foto do escritorJornal Daki

Mixórdia, por Fábio Rodrigo


Certa vez, estava eu conversando com minha tia pelo telefone, aliás, ouvindo minha tia, pois ela é do tipo que não deixa ninguém falar. E tudo o que ela conta rende... e muito. Não sei se é devido à idade já bem avançada (são quase 90 anos) ou se é devido a viver sozinha... Ou as duas coisas. Mas fato é que parar para conversar com ela é sinônimo de ouvir muitas histórias.


Ela me contava sobre um novo inquilino seu, que acabara de alugar sua loja. Dizia que, após resolver todo o trâmite burocrático: ida ao cartório, a imobiliária..., verificou que seu inquilino desrespeitou uma das cláusulas do contrato, o que a deixou muito irritada. Não vou entrar em detalhes acerca do que causou a sua irritação, mas o que me chamou a atenção foi que, enquanto ela me explicava o que havia acontecido, utilizou a palavra mixórdia. Fiquei encantado com o uso desta palavra tão incomum nos dias de hoje (que em nada lembra misturada, comida malfeita ou vinho adulterado) vindo da boca de alguém que eu menos esperava que viesse.

Continuei ouvindo minha tia e demonstrei ainda mais interesse na sua história. Quem sabe poderia soltar outra “pérola” nada comum... Afinal de contas não é qualquer hora que conversamos com alguém de idade já avançada e que tem muito o que contar... Infelizmente não veio outra. Não sei o que me seduziu nesta palavra: sua pronúnica, seu uso incomum, sua origem controversa. Mas o certo é que adotei a palavra mixórdia em minhas aulas de Português, quando explico variação e dinamismo da língua. Pra minha surpresa, vi que mixórdia ainda é usada com muita maestria por nossos melhores jornalistas e escritores. Recentemente, Ruy Castro mencionou em sua coluna no Jornal Folha de São Paulo que o então presidente eleito Jair Bolsonaro fala depressa demais “numa mixórdia quase incompreensível”.

Quem faz mixórdia é mixordeiro. Me veio à mente: mixordeiro não é somente quem falsifica bebidas ou gêneros alimentícios mas também quem confunde, quem bagunça, quem causa desentendimento. Quem faz mixórdia não precisa ser banido da sociedade. Nada disso. Pode ser alguém que comete um infortúnio sem a menor intenção de ludibriar o outro.

Mixórdia me fez repensar o uso altivo das palavras, que vivifica as situações mais comuns do dia a dia. Sem dúvida, o imbróglio, o embaraço, ou melhor, a mixórdia que ocorreu com minha tia ganhou muito mais notoriedade do que se tivesse sido falada com outra palavra. Também me fascina o falar ingênuo, não daqueles que não dominam as normas cultas, mas sim daqueles que se apropriam das palavras e se tornam proprietários delas. Sem dúvida, minha tia tomou posse de mixórdia. Sempre que me vem ao conhecimento algum tipo de confusão, lembro da que ocorreu com minha tia. Esta sim foi uma verdadeira mixórdia.


Fábio Rodrigo G. da Costa é professor e escritor.

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