O Rio estava mais seguro antes da intervenção, por Mário Lima Jr.
Raul Jungmann, ministro da Segurança Pública, defende que a intervenção no Rio de Janeiro “se impôs como necessidade” diante da expansão do crime organizado na política, na polícia e nas esferas de poder do Estado. Cinco meses após o início da operação, o Rio se encontra ainda mais violento, vulnerável, e a razão impõe outra necessidade: substituir a estupidez da intervenção militar por estratégias de inteligência, desenvolvimento social e cidadania.
Uma análise dos cinco meses de exceção na segurança pública do Rio, realizada pela Comissão Popular da Verdade, pelo Observatório da Intervenção e outras organizações, aponta que foram registradas 28 chacinas entre fevereiro e junho. Aumento de 80% no índice de matança de três pessoas ou mais em comparação ao registrado no mesmo período do ano passado. Os tiroteios aumentaram 60%, segundo dados do aplicativo Fogo Cruzado, e os casos de morte violenta tiveram crescimento de 5% na comparação com 2017 (Jornal do Brasil).
Não é novidade que o emprego das Forças Armadas contra a violência urbana não estabelece paz alguma. Por um pouco de alívio na consciência das autoridades federais e pelo fetiche que o povo fluminense sente por tanques de guerra nas ruas, a intervenção continua da forma como foi concebida e a criminalidade cresce diante dos olhos do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.
A própria intervenção militar é uma violência contra crianças que têm a mochila escolar revistada por homens armados e contra o morador da favela que precisa provar sua inocência na rua sempre que cruza com um soldado. Não se pode admitir jamais que inocentes sofram em nome de um bem geral maior.
Na cidade de São Gonçalo o mal causado pelas Forças Armadas foi além. Militares atiraram mais de 30 vezes contra o carro do pescador Juan Pedro Ribeiro de Souza e três disparos o acertaram. Sua mulher e seu filho, de apenas 2 anos, foram feridos por estilhaços. O Comando Militar do Leste alegou legítima defesa diante da movimentação de Juan, que havia parado o veículo para esvaziar um bebedouro de passarinho. Os tiros só pararam quando o choro da criança foi ouvido.
A instituição que atira é a mesma que deveria investigar, apurar e esclarecer casos como o de Juan, segundo as diretrizes determinadas pelo Interventor Federal, general Walter Braga Netto. Não é essa cegueira que a Constituição prevê. A intervenção poderia ter sido restrita à administração pública, corrupta e incompetente, e o interventor poderia ser um civil especializado em segurança, ao invés de um militar cujo maior treinamento é matar.
A bandidagem corre solta e refaz as barricadas logo depois que a favela é desocupada pelo tal do Comando Conjunto das forças policiais e a população pobre sofre sozinha. A opressão militar contra o favelado é o holocausto fluminense, o sacrifício dos moradores do Rio de Janeiro em troca da ilusão de que estão em busca de paz.
Mário Lima Jr. é escritor.