Três horas de espera pra ser vacinado em Alcântara, por Mário Lima Jr.
Tomei vacina contra a febre amarela no Polo Sanitário Dr. Hélio Cruz, em Alcântara. As mãos habilidosas da enfermeira não provocaram nenhum incômodo com a agulhada. Foi algo rápido, macio e sensual, deu até vontade de tomar duas doses. Acontece que esperei de pé por 3 horas e 37 minutos para ser vacinado, a maior parte do tempo suando embaixo do sol forte. Pensar em passar por isso de novo nessa vida me dá calafrios.
Entrei na fila às 7:11. Ela tinha uns 150 metros e dobrava a esquina da rua Concórdia com a Silvio Romero. Para passar o tempo, coloquei um livro na mochila ao sair de casa, com ele pensava que estaria preparado para a espera. Não estava. Nada em São Gonçalo é previsível, somos mais de 1 milhão de pessoas concentradas em um centro urbano caótico.
Logo interrompeu minha leitura o som de uma bicicleta fazendo anúncios. Do início ao fim da fila divulgava um “delicioso café da manhã na padaria Rua da Feira com suco, pão, queijo e mortaNdela”. A cada 10 minutos o anunciante parava no local onde eu estava e fazia seu trabalho honesto. Ouvi o mesmo anúncio quase 22 vezes e não foi o único.
Um camelô também tinha um moderno sistema de som integrado com microfone de cabeça, parecido com aqueles usados por apresentadores de televisão. Ele vendia bolo, pastel e caldo de cana e por um motivo incompreensível seu anúncio repetitivo começava com o mesmo assovio do Godinez, personagem do seriado Chaves.
Depois de uma hora parado, senti as primeiras fisgadas na perna. Uma enfermeira do posto passou perguntando se alguém na fila tomava medicamento antialérgico e eu respondi “Aerolin”. Ela me encarou fundo nos olhos e disse “Huuummm, vou verificar se você pode tomar a vacina”, virou as costas e não voltou mais. Fiquei preocupado.
Os adultos se cansaram antes das crianças. Sentaram no meio fio, nos poucos bancos da calçada ou se abaixaram e ficaram de cócoras mesmo. Depois das nove horas o sol passou a incomodar e a proteção mais usada era a caderneta de vacinação dos filhos. Minha pele assava embaixo da camisa preta.
Finalmente o tédio venceu as crianças também. Algumas pareciam ter apenas dois anos de idade. Não havia fila preferencial para elas. Choraram e pediram colo, não suportavam a imobilidade da fila.
O sol ficou mais forte e pessoas atrás de mim se abrigaram na minha sombra (algo bastante frequente porque sou alto). As brechas entre os dedos dos meus pés suavam. Não ventava. As fisgadas na perna se transformaram em tremedeira.
Com suor escorrendo da testa, as pessoas se embolaram umas nas outras, como se tentassem ocupar o lugar da frente. Tinha gente abaixada na sombra dos carros estacionados. As mães não sabiam como ajudar seus filhos.
Alcançamos a primeira porta do posto, mas o sofrimento estava longe de terminar. A porta servia a outros atendimentos, a entrada para tomar a vacina contra a febre amarela ficava 25 metros à frente.
Pelo menos trinta minutos depois, chegamos à segunda porta, o que não trouxe nenhum conforto: dentro do posto a fila quilométrica continuava fazendo zigue-zague na direção da mesa de cadastro. O lado posterior das minhas coxas enrijeceram.
Ambulantes e pregadores evangélicos gozavam de tanta liberdade de circulação quanto funcionários concursados. Tinha até vendedor de boneco de plástico da Peppa Pig soltando bolinhas de sabão sobre os pacientes.
Desesperado com a demora, ganhei uma mensagem bíblica e passei a usá-la como marcador de página do livro que segurava (Macumba, de Rodrigo Santos). O mensageiro cristão me olhou dos pés à cabeça com desdém.
A enfermeira que fazia meu cadastro perguntou se eu tomava algum medicamento contra alergia. Gelei. Repeti: “Aerolin”.
– Tenho quase certeza que você não poderá tomar a vacina por causa dos corticoides, mas vou confirmar – disse a enfermeira carinhosamente. Eu estava há 3 horas e 15 minutos de pé, tomaria a vacina ainda que as complicações me matassem.
Ela fez uma ligação, que pareceu durar uma eternidade, por fim descobriu que o Aerolin não traz complicações. Respirei aliviado. Peguei meu certificado de vacinação e fui mandado ao consultório no fim do corredor para ser imunizado. Alegre depois de tanta espera, sentindo dores de cabeça, nas pernas e nas costas e andando entrevado como um robô, quase tive um infarto quando cheguei na porta do consultório: havia outra fila me esperando.
Mário Lima Jr. é escritor.
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