A rua é a pista
O Ministério da Saúde, em uma pesquisa realizada em 2013, constatou que cerca de 30% das crianças brasileiras têm sobrepeso e metade delas é obesa. Cerca de 17,5% da população é obesa, e 50,8% está acima do peso. No filme infantil Wall-E, o futuro do ser humano é a obesidade mórbida, que restringe inclusive a locomoção por meios próprios. Distopia exagerada ou premonição sinistra?
Somos máquinas perfeitas que, quando azeitadas, rendemos ações extraordinárias. Nossa evolução cultural suplantou a evolução biológica, a capacidade de acumular grandes quantidades de informação e transmiti-las às gerações posteriores nos faz voar sem ter asas, atravessar oceanos sem nadadeiras e nos alimentar sem nos colocarmos em risco. Também nos deu a pipoca de micro-ondas, o refrigerante e a TV, coisas que podem poupar tempo, passar tempo, perder tempo. E ganhar peso. Deixar enferrujar articulações, atrofiar músculos e cultivar a preguiça. Paradoxalmente, cultivamos o corpo alheio e fazemos do nosso um terreno baldio, jogando todo o tipo de lixo.
Quando escrevo algum artigo, ou publico algum texto em antologia, o editor me solicita uma breve biografia, que fale de forma sucinta quem eu sou. E eu sou pai do Miguel, marido de Maria Isabel, escritor, professor, flamenguista e CORREDOR DE RUA. Poderia discorrer como cada um desses itens me define enquanto ser humano, e me enche de orgulho, mas quero falar da corrida.
Eu tinha 120 quilos quando comecei. Falo com propriedade sobre obesidade, preguiça e displicência com a própria saúde porque já estive lá. Hedonista praticante, não via razão para praticar esporte algum, achava desnecessário suar sem propósito. Até que um dia vi as fotos de uma apresentação artística que fiz, declamando meus poemas, e me choquei. A obesidade é silenciosa e confortável e, assim como o alcoolismo, quando você se dá conta que pegou o caminho errado, já está longe demais.
Mas dá pra voltar. Hoje, 35 quilos a menos, tenho orgulho em dizer que não sou atleta, e sim corredor de rua. Não é difícil. Não fiz dieta de queijo caro, nem cirurgia invasiva. Apenas parei de comer tanto lixo, e comecei a correr. Na verdade, a caminhar, 20 minutos por dia. Fui aumentando o tempo e a distância, e trago já no currículo duas meias-maratonas, três biatlos, corridas de montanha e asfalto.
A corrida de rua é o esporte mais barato e acessível que há. Basta um tênis confortável, uma rua contínua e meia hora por dia. Não me venham com falta de tempo, alguém já disse que falta de tempo é desculpa de quem perde tempo por falta de método. Você tem que aprender a abrir janelas de tempo no seu dia. Acordar mais cedo, abandonar aquela série no Netflix, não dormir no horário de almoço. É claro que, com o tempo, você vai querer um tênis melhor, uma camisa mais leve, mas tudo começa com a sua vontade de mudar. Comece a reparar na rua, São Gonçalo tem vários corredores nas vias principais – e muitos que você não vê, em vias secundárias, e em horários variados, cada um no seu tempo e ritmo.
O esporte é um grande mestre. Ensina disciplina, humildade e superação. Correndo na rua, aprendo minhas limitações, medito e forço meus limites. Não corro contra ninguém, corro contra aquele gordo que eu era e usava calça 48. Sigo o conselho de um cara que conheci em uma meia maratona, “bebo água da chuva e como grama”. Não precisa ser atleta, comprar suplementos ou pagar personal trainer. Basta começar, e correr contra a obesidade, a hipertensão, a diabetes e a autoestima baixa. Quer uma pista? A pista é a rua.
Rodrigo Santos é pai do Miguel, marido de Maria Isabel, flamenguista, escritor, professor, corredor de rua e zagueiro do Pindorama F.C., a Seleção Brasileira de Escritores.
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