As dores de crescimento de uma cidade chamada São Gonçalo
George Savalla, o nosso eterno Palhaço Carequinha, e Altay Veloso, músico e compositor de primeiríssima, são os nossos maiores ícones nativos da cultura nacional. Os dois ainda guardam semelhanças afetivas às terras de Gonçalo Gonçalves, colonizador português que batizou essas bandas ao leste da Capitania de São Sebastião do Rio de Janeiro com o nome de São Gonçalo do Amarante, beato católico transformado em santo protetor de todos os artistas e boêmios.
Tanto Savalla quanto Altay afirmaram jamais abandonar a cidade. O primeiro, morto em 2006 em sua casa, no bairro Zé Garoto, aos 90 anos, e que neste ano de 2015 comemoraria o seu centenário natalício, cumpriu a sua promessa de ser enterrado no cemitério de São Gonçalo, a poucos metros de onde morava. Já Altay Veloso, um dos maiores compositores da música popular brasileira, permanece no mesmo lugar aonde nasceu, no bairro Porto da Pedra. “Não vejo motivo para sair da cidade, mesmo com tantos problemas”, disse ao Jornal Apologia em 2008 o autor da ópera O Alabê de Jerusalém e tantos outros sucessos e pérolas do cancioneiro interpretados por artistas como Alcione, Emilio Santiago e Roberto Carlos.
São Gonçalo, município oficialmente criado em fins do século XIX, só assegurou plenamente a sua autonomia em 1930 ajudado pelos ventos da revolução que promoveu um rearranjo político-institucional no país, que alçou ao poder da república o gaúcho Getúlio Vargas. A cidade, que basicamente se resumia ao distrito de Neves em sua parcela mais urbana, viveu a sua glória entre as décadas posteriores de 1940 e 1960, quando nessa mesma região até o Barreto foi erguido o maior complexo industrial do antigo estado do Rio de Janeiro.
A instalação dessas indústrias criou um sentimento de euforia, à exaustão explorado pelo varguismo que seguia nos esforços de modernização do país via industrialização e regulação das relações de trabalho. A imprensa local não demoraria em se ver contagiada por essa nova realidade de progresso para São Gonçalo, ao ponto de dar ao município a alcunha de “Manchester Fluminense”, famosa cidade industrial da Inglaterra, apelido criado por Luiz Palmier.
Não tardou iniciar em São Gonçalo o maior processo migratório do estado que se tem notícia. As áreas rurais foram fatiadas em lotes, e da noite para o dia bairros imensos eram criados sob o beneplácito de financiamentos públicos e particulares. A especulação fundiária sai do controle, e a promessa de dar fim e cabo ao caos estabelecido se torna bandeira política do então candidato a prefeito Joaquim Lavoura, que seria eleito em 1953. Em 1962, pressionado pelos loteadores que dominavam a Câmara, é decretado o fim da área rural em São Gonçalo pelo prefeito Geremias de Mattos Fontes. Somente em 2010 a prefeitura reconheceria a existência de uma área agrícola produtiva na cidade, incorporando-a no novo Plano Diretor de município.
O segundo e último movimento migratório se dá às margens das rodovias 104 e 101, sobretudo após a inauguração da ponte que liga Niterói à cidade do Rio em 1974, coincidindo com o início da estagnação econômica que atingiria todo o país. O sonho da nossa Manchester papa-goiaba se esvaía, assim como nascia o estigma que persegue até hoje o município, de ser a cidade dormitório, inchada, sem equipamentos públicos necessários para atender à massa de trabalhadores pobres que residia em São Gonçalo; à época, sem possibilidade de reivindicação de sua cidadania no estertor de um regime de exceção mantido pelos militares.
O que atraiu os milhares de nordestinos e de norte-flumineses, principalmente, para São Gonçalo, foi a reunião de vários fatores, mas o fator determinante para a sua permanência na cidade foi a política fundiária herdada dos anos 1940 e 1950, que oferecia lotes de terra a baixo custo em regiões de urbanização inexistente ou em áreas de mangue às margens da Baía de Guanabara. Como resultado disso, a cidade passa, em 30 anos, de 430 mil habitantes em 1970 para 770 mil em 1990, num momento de estrangulamento econômico e de esvaziamento industrial de São Gonçalo.
Dos anos de 1990 para cá, a cidade, que respirava por aparelhos, tem dado passos importantes nas áreas de gestão e ampliação dos equipamentos públicos, principalmente em educação, que já conseguiu universalizar a oferta de vagas nas escolas. O desafio, como em todo o país, é melhorar a sua qualidade. Hoje, poucas pessoas querem sair de São Gonçalo, e cada vez mais se parecem com o Savalla e o Altay.
COMPERJ AINDA NÃO DISSE A QUE VEIO
O mega empreendimento da Petróleo Brasileiro SA em Itaboraí dispensa apresentações. Com investimento inicial de R$ 8,3 bi previstos para até o final desta década, o COMPERJ não disse a que veio para a população gonçalense.
Relatório da Federação das Indústrias (FIRJAN) aponta que o impacto direto na cidade não passa de 3,5 % do orçamento total do município -algo em torno de R$ 1,2 bilhão para o ano fiscal de 2015 - após o início das atividades da refinaria. E as incertezas que cercam a Petrobras devem derrubar estas estimativas.
A cidade, porém, tem a seu favor a proximidade ao epicentro do empreendimento, que pode ser um grande atrativo para as empresas que devem se instalar dentro do perímetro industrial estabelecido pela Petrobras e o Conleste, além de possuir uma razoável infraestrutura em telecomunicações e a existência da área industrial de Guaxindiba. A região vem sendo utilizada atualmente como “base” de operações do Comperj nesta fase de construção da refinaria.
O maior ganho até agora para a cidade vem da construção civil e a ampliação da presença de empresas de serviços como o supermercado Guanabara e três novos shoppings, o que obrigou a prefeitura a investir em saneamento e no recapeamento de ruas, intensificado nos últimos 6 anos sob as administrações da ex-prefeita Aparecida Panisset e agora do atual Neilton Mulim.
Com a impressão que poderia dizer muito mais? Sim, a cidade é um texto em aberto...