Um lugar pra chamar de seu
- Jornal Daki
- 10 de fev. de 2015
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Não fosse a luta contra o apartheid na África do Sul, que linhas Nelson Mandela preencheria nas páginas da história? Despojado de sua ligação visceral com Mumbai, que seria de Mahatma Gandhi e do protagonismo que exerceu pela independência da Índia? O músico Fela Kuti rendeu - em melodias e palavras – mais que um tributo, uma declaração de amor à Nigéria.
Sem os manguezais de Recife e a miséria persistente a assombrar suas margens, talvez Pernambuco jamais revelasse ao mundo a grandeza constrangedora de 'A Geopolítica da Fome', de Josué de Castro. Haveria lama ou caos para Chico Science? Belém não seduz as lentes de Luís Braga; a capital paraense está, antes, galvanizada no olhar e na vida do fotógrafo.
Que diria Antônio Conselheiro se soubesse que das batalhas de Canudos emergiu a arte e a essência paradoxal da urbanização brasileira contemporânea, a favela? Quem Tião Santos - figura de destaque nos debates sobre reciclagem e gestão de resíduos no Brasil – seria se não tivesse, desde menino, garimpado as colinas de lixo de Jardim Gramacho?
Identidade territorial é algo que supera qualquer beletrismo acadêmico, pois diz respeito a como encaramos o mundo ao nosso redor. Em certa medida, define o grau de cidadania que desejamos e exercemos. “War for territory!”, vociferou Max Cavalera. A disputa de um território é a concorrência por expectativas de vida.
Os Racionais MC's garantiram à palavra 'periferia' uma força fundamental, no Brasil pós-redemocratização. Sabotage, Rappin’ Hood, Emicida e Criolo samplearam o substrato do vocábulo: não existe rap sem referência territorial, ou melhor, não existe rapper. Na verdade, todo mundo tem um lugar pra chamar de seu. Com o gonçalense não há diferença. Não importa de onde viemos ou para onde desejamos ir, basta apenas admitirmos que, hoje, esse lugar é São Gonçalo. A subalternização de uma região não é um destino, é uma escolha.